A pecuária está frequentemente no centro dos debates ambientais. Manchetes que apontam o gado como vilão climático tornaram-se comuns. E, de fato, práticas convencionais de criação de animais estão entre os principais emissores de gases de efeito estufa (GEE), contribuindo para o aquecimento global.
Mas será que toda pecuária é igual? E mais: será que é possível comer carne — inclusive no churrasco — sem carregar nas brasas o peso das emissões de metano e CO₂?
A resposta está em um novo modelo de produção que está ganhando força no mundo todo: a pecuária regenerativa. Diferente da produção intensiva, ela transforma o gado em ferramenta de restauração ambiental, contribuindo para o sequestro de carbono no solo e equilíbrio dos ecossistemas.
Este artigo vai te mostrar, com profundidade e clareza, o que realmente acontece com os gases do efeito estufa na pecuária regenerativa — e como isso pode mudar a maneira como você encara a carne no seu prato.
O que são gases de efeito estufa?
Antes de mergulhar na pecuária regenerativa, vale entender o básico: os gases de efeito estufa são compostos que retêm calor na atmosfera. Os principais são:
- Dióxido de carbono (CO₂) – proveniente da queima de combustíveis fósseis e desmatamento.
- Metano (CH₄) – emitido, entre outros, pela digestão dos ruminantes (fermentação entérica).
- Óxido nitroso (N₂O) – resultado de fertilizantes nitrogenados e resíduos animais.
Esses gases, em excesso, aquecem o planeta. Hoje, sabemos que a pecuária tradicional contribui significativamente para essas emissões, principalmente através do metano.
A pecuária regenerativa na prática
O que diferencia esse modelo?
A pecuária regenerativa se baseia em princípios que imitam os ciclos naturais dos ecossistemas. Ao invés de manter o gado confinado e alimentado com ração, os animais pastam livremente, em sistemas rotacionados que estimulam a biodiversidade, melhoram a fertilidade do solo e ajudam a capturar carbono da atmosfera.
Seus pilares são:
- Manejo holístico de pastagens
- Não uso de fertilizantes sintéticos
- Alta densidade animal por curto período, com longos períodos de descanso das áreas
- Restauração da cobertura vegetal
- Aumento da matéria orgânica do solo
Os principais mitos sobre pecuária e gases de efeito estufa
Mito 1: “Todo gado emite metano, logo toda pecuária é ruim para o clima”
É verdade que bois e vacas emitem metano pela digestão. Mas a pegada climática desse metano muda radicalmente quando os animais são criados em sistemas regenerativos. Por quê?
Porque o solo bem manejado sequestra carbono em quantidade suficiente para compensar — e até superar — as emissões dos animais. Ou seja: o que eles soltam no ar é reabsorvido pela vegetação e pelo solo, num ciclo equilibrado.
Além disso, estudos mostram que o metano tem um tempo de vida curto na atmosfera (cerca de 10 a 12 anos), ao contrário do CO₂, que pode durar séculos. E o metano emitido por ruminantes é parte de um ciclo biogênico, e não fóssil, como aquele dos combustíveis.
Mito 2: “A única solução é cortar o consumo de carne”
Reduzir o consumo de carne industrializada e produzida em sistemas destrutivos é, sim, uma atitude positiva. Mas, no lugar de um boicote genérico, uma abordagem mais eficaz é substituir a origem da carne — optando por produtores que investem em práticas regenerativas.
Quando consumimos carne de animais que participaram da regeneração do solo e da biodiversidade, não estamos apenas evitando dano: estamos contribuindo com soluções reais para o clima.
Como a pecuária regenerativa atua sobre os gases do efeito estufa?
1. Sequestro de carbono no solo
Um dos maiores trunfos desse modelo é o aumento da matéria orgânica no solo por meio do pastejo planejado. Isso ativa o crescimento das raízes, estimula a fotossíntese e aumenta o armazenamento de carbono abaixo da superfície.
Estudos apontam que sistemas bem manejados podem sequestrar até 3 a 5 toneladas de carbono por hectare por ano. Em muitos casos, esse valor excede a emissão anual de metano dos animais que ali vivem.
2. Redução de emissões indiretas
Na pecuária industrial, os animais consomem rações à base de soja e milho, muitas vezes cultivadas com agrotóxicos, fertilizantes sintéticos e desmatamento. Isso gera uma enorme pegada de carbono.
Na pecuária regenerativa, o alimento vem direto do pasto — natural, renovável e de baixo impacto. Isso reduz drasticamente as emissões indiretas, que costumam ser ignoradas nas comparações simplistas entre tipos de carne.
3. Restauração da biodiversidade e serviços ecossistêmicos
Sistemas regenerativos atraem polinizadores, protegem nascentes, aumentam a diversidade de espécies vegetais e animais, e reduzem a erosão. Isso gera resiliência climática e permite que a natureza se autoregule, evitando colapsos ecológicos que também impactam o clima.
Passo a passo para identificar carnes regenerativas no mercado
Se você quer que seu churrasco tenha sabor e consciência ambiental, aqui está um roteiro prático para garantir que a carne na grelha seja realmente parte da solução — e não do problema.
Passo 1 – Pergunte sobre a origem
Sempre que possível, compre direto de produtores ou cooperativas locais. Pergunte se a criação é feita em pasto, se há rotação de áreas e se os animais vivem ao ar livre. Se a resposta for vaga ou evasiva, fique atento.
Passo 2 – Busque certificações confiáveis
Embora ainda escassas no Brasil, algumas certificações e selos já despontam, como:
- Regenagri
- Land to Market
- Selo Orgânico com manejo regenerativo
- Instituições de rastreabilidade como Imaflora, Ecocert ou SISBOV
Certificações são um passo importante, mas não são o único critério. Muitos pequenos produtores atuam de forma regenerativa, mesmo sem certificação oficial.
Passo 3 – Prefira carne de pasto
Carnes com origem em sistemas de pastagem rotacionada e sem confinamento tendem a vir de modelos mais sustentáveis. Quando bem manejado, o pasto atua como um sumidouro de carbono, e os animais vivem de forma mais saudável e natural.
Passo 4 – Conheça a fazenda (se possível)
Visitar feiras agroecológicas ou participar de grupos de consumidores conscientes pode te conectar a produtores reais. Muitas fazendas regenerativas promovem dias de campo, visitas ou publicam conteúdos nas redes mostrando o manejo, os animais e os resultados ambientais do trabalho.
E quanto ao metano? Ele realmente deixa de ser um problema?
A questão do metano merece atenção especial. Vamos a alguns dados importantes:
- Metano é 28 vezes mais potente que o CO₂ em termos de aquecimento global, mas tem vida muito mais curta na atmosfera.
- Metano biogênico emitido pelos bovinos não adiciona novo carbono ao sistema — apenas circula o carbono existente.
- Quando o solo sequestra carbono de forma eficiente, o balanço climático do sistema pode ser neutro ou até negativo, mesmo com a presença de metano.
Além disso, novas abordagens estão sendo testadas para reduzir as emissões entéricas, como o uso de aditivos naturais, ajustes na dieta e genética adaptada. Mas mesmo sem esses recursos, o simples manejo regenerativo já é capaz de compensar as emissões.
O ciclo do carbono: o churrasco como parte da solução
Imagine o seguinte cenário:
- Uma fazenda regenerativa com solo vivo, rica em biodiversidade.
- Gado criado em liberdade, movendo-se por pastos saudáveis.
- Solo sequestrando carbono a cada pastagem.
- Você comprando essa carne, assando em carvão sustentável, em um evento sem desperdícios.
Esse churrasco não é uma ameaça ao clima. Ele é parte de um ciclo virtuoso.
É claro que nada disso acontece por mágica. Exige escolha, pesquisa, adaptação de hábitos. Mas está ao alcance. E, à medida que mais pessoas optam por carnes regenerativas, mais produtores são incentivados a mudar, mais solos são restaurados e mais carbono é tirado da atmosfera.
O sabor que vem da terra viva
Churrasco é encontro, celebração, sabor. Mas também pode ser consciência. Pode ser regeneração. Quando a carne vem de um sistema que respeita o solo, o animal e o planeta, cada pedaço conta uma história diferente. Uma história de recuperação, de equilíbrio, de vida pulsando debaixo da terra.
Na próxima vez que o fogo acender e a brasa crepitar, pense além do prato. Pense na cadeia que levou aquele alimento até você. E lembre-se: o churrasco pode ser mais do que uma tradição — pode ser uma ponte entre prazer e propósito.