Carne regenerativa no Brasil vs. outros países: estamos na frente ou atrasados?

A carne está no centro de debates acalorados sobre clima, biodiversidade e segurança alimentar. Mas nem toda carne é igual. Em meio a uma crise ambiental global e à urgência por novos modelos de produção, a pecuária regenerativa vem se destacando como alternativa capaz de restaurar ecossistemas, combater as mudanças climáticas e oferecer proteína de qualidade, ética e sustentável.

No Brasil, esse movimento começa a ganhar força. Mas como estamos em relação a outros países? Somos líderes ou apenas aprendizes nessa transformação?

Neste artigo, vamos explorar a posição do Brasil no cenário internacional da pecuária regenerativa. Vamos comparar políticas públicas, práticas de campo, consumo consciente, tecnologia e certificação. Também veremos os avanços e desafios enfrentados aqui dentro e o que podemos aprender com nações que já estão mais avançadas na transição para modelos regenerativos.


O que é carne regenerativa, afinal?

Antes de comparar, é essencial compreender do que estamos falando. Carne regenerativa não é apenas carne de gado a pasto. Ela é resultado de sistemas de manejo que regeneram o solo, aumentam a biodiversidade, sequestram carbono, conservam a água, respeitam o bem-estar animal e promovem justiça social no campo.

É um conceito holístico, que depende da aplicação de práticas como:

  • Pastoreio rotacionado adaptativo
  • Plantio de cobertura vegetal
  • Sistemas silvipastoris
  • Agroflorestas com integração animal
  • Uso mínimo ou nulo de insumos químicos
  • Conservação de nascentes e matas nativas

Ou seja, é mais do que sustentável: é restaurador.


Brasil: potência agroambiental ou contradição em curso?

Os números impressionam

O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina. São mais de 220 milhões de cabeças de gado, espalhadas por quase metade do território nacional. No entanto, a expansão pecuária foi historicamente associada ao desmatamento, à perda de biodiversidade e às emissões de gases de efeito estufa.

Mas há outro lado nessa história.

Segundo o Atlas da Carne Regenerativa (2023), estima-se que mais de 15 milhões de hectares no Brasil já operam com algum grau de regeneração, ainda que não certificados. São produtores que aplicam manejo de pasto sustentável, integram árvores, recuperam solos degradados e aumentam a fertilidade naturalmente.

Exemplos inspiradores já existem:

  • Fazenda da Toca (SP): sistema agroflorestal com gado Nelore e biodiversidade rica.
  • Fazendas do Futuro (PA e MT): integração lavoura-pecuária-floresta com foco na Amazônia sem desmatamento.
  • Instituto Regenera (MS): referência em capacitação e certificação de carne regenerativa nacional.

Esses casos mostram que o país tem enorme potencial biológico, técnico e cultural para liderar o movimento. Mas será que isso está mesmo acontecendo?


Políticas públicas: o Brasil estimula ou atrasa a regeneração?

A comparação com o cenário internacional

Enquanto países como Reino Unido, França e Austrália criaram incentivos governamentais diretos para práticas regenerativas, o Brasil ainda caminha devagar na estruturação de políticas de apoio real à transição agropecuária.

Lá fora:

  • União Europeia: já remunera produtores com até €450/hectare/ano por práticas regenerativas.
  • Estados Unidos: o USDA criou o programa “Partnerships for Climate-Smart Commodities”, com US$ 3,1 bilhões para pecuária e agricultura regenerativas.
  • Austrália: possui certificações privadas reconhecidas nacionalmente, com apoio estatal à exportação regenerativa.

E por aqui?

  • Não há ainda um selo oficial de carne regenerativa no Brasil.
  • Linhas de crédito específicas para regeneração são escassas.
  • A regulamentação é confusa ou inexistente.
  • O Plano ABC+ (Agricultura de Baixo Carbono) traz algumas diretrizes, mas não diferencia práticas realmente regenerativas das meramente menos impactantes.

Esse vácuo regulatório gera insegurança para o produtor e falta de confiança para o consumidor.


Certificação e rastreabilidade: como saber se a carne é, de fato, regenerativa?

A importância da transparência

Nos Estados Unidos, a certificação Land to Market (Savory Institute) e o selo Regenified são amplamente usados por marcas como Force of Nature e White Oak Pastures. Já na Europa, projetos como o EIT Food e o REGENERATION ACADEMY oferecem métricas claras de regeneração.

No Brasil, o caminho ainda é incipiente. Mas há avanços:

  • O Instituto Regenera lançou uma metodologia nacional de validação de carne regenerativa com base em indicadores ambientais.
  • Grupos como a Refloresta e a Fazenda da Toca estão testando certificações próprias com tecnologia blockchain.
  • Empresas como a Korin Agropecuária já trabalham com carne 100% rastreável e de baixo impacto.

A ausência de uma certificação unificada e auditável, no entanto, ainda limita o crescimento do mercado interno e das exportações regenerativas.


Consumo consciente: o brasileiro está pronto?

A mudança começa no prato

O crescimento de consumidores que buscam produtos mais sustentáveis é real no Brasil. Segundo a Globo Rural/Instituto Akatu (2023), 61% dos brasileiros afirmam que gostariam de consumir carne com menor impacto ambiental — mas apenas 17% sabem como identificar isso.

Isso indica um enorme descompasso entre intenção e informação.

Em países como Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos, a consciência sobre o impacto ambiental da carne vem crescendo há anos, o que impulsionou redes de distribuição alternativas, selos visíveis e redes sociais ativas no tema.

No Brasil, embora ainda dominado pela carne industrial de supermercados, o consumo regenerativo começa a ganhar nichos promissores:

  • Grupos de compra solidária e cestas agroecológicas.
  • Feiras de orgânicos que incluem carne de pasto.
  • Restaurantes farm-to-table (do campo ao prato).
  • Blogs, influenciadores e movimentos como o “Churrasco Sustentável” — como o seu!

Há um público crescente, mas que precisa de educação, acesso e confiança.


Tecnologia e inovação: onde estamos nesse aspecto?

Ferramentas digitais para monitorar, medir e melhorar

Na corrida pela carne regenerativa, a tecnologia é aliada. Hoje, sensores de solo, drones, imagens de satélite, plataformas de rastreabilidade e inteligência artificial ajudam produtores a tomar decisões e comprovar práticas.

Países como Austrália e Estados Unidos lideram o uso de tecnologias aplicadas à regeneração.

No Brasil, temos iniciativas de ponta, como:

  • Agrosatélite e Solinftec: monitoramento remoto de cobertura vegetal e saúde do solo.
  • Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM): ferramentas de monitoramento da regeneração florestal.
  • Apps como Olho do Dono e Pasto Vivo, que auxiliam no manejo rotacionado e na medição de biomassa.

Ainda assim, muitos pequenos e médios produtores regenerativos têm dificuldade de acesso a essas tecnologias, seja por custo, falta de conectividade ou suporte técnico.


Passo a passo: como acelerar a carne regenerativa no Brasil

Se o país ainda não é líder absoluto, tem tudo para se tornar. Aqui está um roteiro com ações práticas para diferentes atores da cadeia:

Para produtores rurais:

  1. Mapear áreas degradadas da propriedade que possam ser recuperadas.
  2. Adotar pastoreio rotacionado adaptativo, com períodos de descanso e cobertura vegetal.
  3. Integrar árvores, cercas vivas e fontes de água protegidas ao sistema produtivo.
  4. Buscar capacitação técnica em agroecologia e regeneração de solos.
  5. Documentar e medir os impactos positivos.

Para consumidores:

  1. Questionar a origem da carne comprada: onde foi produzida? com que manejo?
  2. Escolher produtores locais com práticas sustentáveis.
  3. Apoiar marcas que valorizam a transparência e rastreabilidade.
  4. Reaproveitar resíduos do churrasco e reduzir desperdícios.
  5. Compartilhar informações com familiares e amigos.

Para empreendedores, ONGs e governo:

  1. Desenvolver um selo nacional de carne regenerativa.
  2. Criar linhas de crédito específicas para transição agropecuária regenerativa.
  3. Incentivar a educação ambiental nas escolas e nos meios de comunicação.
  4. Investir em infraestrutura de distribuição e logística para pequenos produtores.
  5. Promover eventos, feiras e encontros gastronômicos regenerativos.

A grande pergunta: estamos na frente ou atrasados?

A resposta é complexa, mas reveladora. Em potencial agroambiental, riqueza de biodiversidade, disponibilidade de pastagens e iniciativas pioneiras, o Brasil está entre os países mais promissores do planeta.

Mas em políticas públicas, certificação, estrutura de mercado e acesso à informação, ainda estamos atrás dos líderes.

O Brasil vive uma encruzilhada. Pode escolher seguir expandindo a carne industrial com desmatamento e impacto ambiental crescente — ou pode liderar a carne regenerativa no mundo, oferecendo um produto que regenera o planeta e alimenta as pessoas com saúde, sabor e consciência.

Quando você acende o fogo da churrasqueira, escolhe mais do que o corte da carne: escolhe o tipo de mundo que quer apoiar. A regeneração começa no campo, mas se concretiza na escolha de cada consumidor.

E o Brasil? Pode muito mais do que alimentar o mundo. Pode inspirar o mundo com um modelo onde a carne nutre pessoas, restaura a terra e aquece lares — sem queimar o futuro.

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