A carne regenerativa tem ganhado força globalmente como resposta à degradação ambiental causada pelos sistemas convencionais de produção. Em vez de exaurir os recursos naturais, a pecuária regenerativa se propõe a restaurar o solo, capturar carbono, aumentar a biodiversidade e promover uma agricultura mais justa e resiliente.
Apesar de ser um movimento ainda emergente em muitas regiões, alguns países vêm se destacando como verdadeiros laboratórios vivos dessa revolução alimentar. Eles testam, adaptam, escalonam práticas e mostram, na prática, que é possível produzir carne com impacto positivo no planeta.
Este artigo apresenta os 7 países que estão na vanguarda da pecuária regenerativa. Vamos explorar suas abordagens, exemplos de fazendas inovadoras e o que podemos aprender com cada um. Seja você um consumidor consciente, produtor rural, entusiasta do churrasco sustentável ou simplesmente curioso, prepare-se para viajar pelo mundo das boas práticas – e entender por que comer carne regenerativa pode ser uma escolha transformadora.
1. Estados Unidos – Pioneirismo e escala no solo do “ranching”
Onde tudo começou a ganhar força
Os Estados Unidos têm desempenhado um papel de liderança no movimento da pecuária regenerativa, especialmente através da difusão do manejo holístico do pasto, criado por Allan Savory.
Organizações como o Savory Institute e empresas como a White Oak Pastures têm se tornado referência global, com práticas que combinam ciência do solo, bem-estar animal e justiça social.
Exemplos que inspiram
- White Oak Pastures (Geórgia): uma das maiores fazendas regenerativas dos EUA. Com mais de 10 espécies diferentes de animais integradas ao sistema, ela sequestra mais carbono do que emite.
- Gabe Brown (Dakota do Norte): produtor que virou autor e educador, mostrando como transformar solos pobres em sistemas abundantes usando pastoreio rotacionado, diversidade de culturas e cobertura permanente.
Lições que o Brasil pode aprender
- O valor da educação agroecológica para os produtores rurais.
- A força dos selos regenerativos privados para criar diferenciação no mercado.
- Como o marketing com base em ciência pode atrair consumidores e investidores.
2. Austrália – Inovação em climas extremos
Regenerar no coração do clima seco
A Austrália enfrenta desafios severos de desertificação, escassez de água e incêndios florestais. Isso tornou o país um ambiente de inovação para técnicas de regeneração de solos e gestão hídrica.
Com uma agropecuária historicamente voltada à exportação, o país tem adotado práticas regenerativas para garantir a resiliência climática de seus sistemas produtivos.
Casos de sucesso
- Mulloon Institute: referência mundial na restauração de bacias hidrográficas com base na agropecuária regenerativa.
- Tarwyn Park Training: formação de produtores em gestão integrada da paisagem, conectando pasto, solo e água.
O que eles fazem bem
- Integração entre design de paisagens e pecuária.
- Incentivo à agrofloresta animal.
- Uso intensivo de monitoramento digital da saúde do solo.
3. Uruguai – Tradição de pastagens com foco regenerativo
Pasto nativo como trunfo ambiental
O Uruguai sempre foi conhecido por sua pecuária extensiva sobre pastagens naturais. Nos últimos anos, essa tradição se uniu aos princípios regenerativos, com destaque para a preservação da biodiversidade do Pampa e a baixa pegada de carbono.
O país mantém sua competitividade exportadora, ao mesmo tempo que incorpora práticas sustentáveis.
Exemplos práticos
- INIA (Instituto Nacional de Investigação Agropecuária) realiza pesquisas em sistemas de pastagem permanente, sem uso de fertilizantes sintéticos.
- Fazendas como a San Pedro Estancia investem em carbono neutro e rastreabilidade total.
Pontos fortes
- Baixo uso de insumos externos, o que aproxima o país dos princípios da agroecologia.
- Forte consciência cultural da pecuária natural e preservação do ecossistema de campo.
4. Reino Unido – Agricultura regenerativa em pequenas propriedades
Quando o pequeno se torna poderoso
Apesar do espaço limitado, o Reino Unido vem se destacando na regeneração de solos degradados por décadas de agricultura intensiva.
A integração entre pecuária e agricultura regenerativa (com sistemas silvipastoris e agroflorestais) é um dos pontos fortes do modelo britânico.
Exemplo notável
- Knepp Estate: antiga fazenda convencional que se transformou em projeto de “rewilding” e pecuária regenerativa. Seus bois, porcos e cavalos vivem em semiliberdade e ajudam na regeneração do solo e da vegetação nativa.
Lições britânicas
- Valorização do microprodutor regenerativo com acesso direto ao consumidor.
- Fortalecimento de cadeias curtas e feiras regenerativas.
- Fortes políticas públicas de apoio à transição.
5. África do Sul – Pecuária como ferramenta de restauração ambiental
Regenerar para sobreviver
Na África do Sul, onde a degradação ambiental ameaça a segurança alimentar de milhões, a pecuária regenerativa tem sido utilizada como ferramenta de justiça social, restauração ecológica e combate à desertificação.
O país tem investido em treinamentos comunitários e sistemas de agropecuária regenerativa em áreas severamente degradadas.
Exemplos de impacto
- Projetos do Savory Hub África Austral capacitam comunidades locais a regenerar seus campos com técnicas de manejo de pasto, sem depender de agrotóxicos.
- Iniciativas de ecoturismo regenerativo incluem a pecuária em projetos de preservação da vida selvagem.
O que chama atenção
- Foco em inclusão social e capacitação de comunidades rurais.
- Integração entre conservação da biodiversidade e produção animal.
- Sistema de pagamentos por serviços ecossistêmicos para quem regenera.
6. Argentina – Carne de pasto com sabor regenerativo
De símbolo nacional a instrumento de sustentabilidade
Na Argentina, a carne é mais que alimento: é identidade. O país tem investido fortemente em sistemas de pastoreio regenerativo em pastagens nativas, especialmente na região da Patagônia e nas planícies pampeanas.
A cultura do “asado” tradicional se conecta perfeitamente com os princípios de carnes regenerativas de terroir.
Exemplos para conhecer
- Ovis 21: um dos hubs do Savory Institute, promove a regeneração de áreas de criação de ovelhas e gado bovino.
- Carne Argentina 100% Pasto: selo de garantia de origem regenerativa, criado por produtores locais.
Oportunidades e avanços
- Potencial exportador de carne regenerativa gourmet.
- Uso de indicadores regenerativos auditáveis, como biodiversidade, infiltração de água e estrutura do solo.
- Crescimento de grupos de consumo consciente urbano.
7. Brasil – Gigante em potencial regenerativo
De vilão climático a protagonista da regeneração
O Brasil, por ser um dos maiores produtores e exportadores de carne bovina do mundo, carrega uma responsabilidade enorme. Apesar das críticas à pecuária convencional — desmatamento, emissões, uso de agrotóxicos — o país tem tudo para liderar a pecuária regenerativa globalmente.
Já existem milhares de hectares regenerativos em diversas regiões, com aumento da produtividade, sequestro de carbono e recuperação de áreas degradadas.
Iniciativas brasileiras inspiradoras
- Nexos Agroflorestais: produtores que integram gado, floresta e pasto no mesmo sistema.
- Instituto Regenera, no Mato Grosso do Sul, capacita produtores e certifica fazendas regenerativas.
- Fazendas do Futuro, na Amazônia, mostram que é possível produzir carne sem derrubar floresta.
O que falta acelerar
- Criação de um selo nacional de carne regenerativa com base científica.
- Apoio governamental real à transição regenerativa.
- Incentivo à conscientização do consumidor brasileiro.
O que une todos esses países?
Apesar das diferenças climáticas, culturais e econômicas, os países que lideram a pecuária regenerativa têm algumas coisas em comum:
- Prioridade ao solo vivo: a saúde do solo é o ponto de partida de todo o sistema regenerativo.
- Gestão holística e rotacionada do pasto: permitindo descanso e recuperação da vegetação.
- Integração com a biodiversidade: regeneração não acontece sem vida selvagem, polinizadores e diversidade vegetal.
- Presença de consumidores conscientes: que valorizam a origem da carne e cobram mudanças na cadeia produtiva.
- Capacitação contínua de produtores: a regeneração exige conhecimento técnico, sensibilidade e visão sistêmica.
Como aplicar tudo isso no seu prato (ou na sua grelha)
Com todas essas referências internacionais, pode surgir a pergunta: e eu, como consumidor ou produtor, o que posso fazer?
Aqui vai um guia prático e direto para trazer o melhor do mundo regenerativo ao seu churrasco:
1. Busque carnes de origem regenerativa
No Brasil, há produtores certificados ou em transição que vendem diretamente ao consumidor. Pesquise, pergunte, compartilhe.
2. Dê preferência a pecuaristas locais comprometidos
Muitas vezes, o que falta é visibilidade. Aproxime-se de cooperativas, feiras orgânicas ou redes agroecológicas da sua região.
3. Converse sobre o tema nos churrascos
Cada encontro é uma oportunidade de semear conhecimento. Compartilhe histórias como as deste artigo.
4. Reaproveite os resíduos do churrasco (como vimos em outro post seu!)
Compostagem, biocarvão, artesanato com latas… cada escolha importa.
5. Valorize práticas que respeitam o solo, a água e os animais
Mais do que preço, procure conhecer os valores por trás do que você consome.
Quando o fogo da grelha se apaga e os sabores permanecem na memória, é possível que fique mais do que apenas o gosto da carne: pode surgir a percepção de que um novo jeito de produzir e consumir está em curso.
A pecuária regenerativa já deixou de ser uma promessa distante e ganhou rostos, nomes e práticas em todos os cantos do planeta. E cabe a nós, de garfo na mão ou de bota no campo, fazer parte dessa virada.
Porque não é só sobre carne. É sobre o mundo que queremos servir no prato – e o planeta que queremos deixar para quem vem depois.