Do Texas ao Cerrado: churrascos sustentáveis que você precisa conhecer

Carne boa não é só aquela que derrete na boca. Hoje, ela também precisa contar uma boa história. De onde veio, como foi produzida, qual impacto deixou no solo, na comunidade e no planeta. E quando o assunto é churrasco — essa celebração ancestral que une culturas, sabores e fogo — a pergunta se torna ainda mais relevante: dá para fazer um churrasco delicioso e, ao mesmo tempo, regenerar o meio ambiente?

A resposta está espalhada pelo mundo. Em regiões tão distintas quanto o Texas e o Cerrado brasileiro, movimentos de pecuária regenerativa estão redefinindo o que significa fazer um churrasco de verdade. Aqui, sabor e sustentabilidade andam lado a lado. E não se trata de abrir mão do prazer, mas de ampliar a consciência.

Neste artigo, vamos visitar cinco regiões onde o churrasco sustentável já é uma realidade. Vamos conhecer suas técnicas, biomas, cortes preferidos e filosofias de produção. Prepare-se para um tour carnívoro e consciente — da América do Norte às savanas brasileiras.


Por que o churrasco precisa evoluir?

A pecuária industrial, com seus métodos intensivos e monoculturas, é uma das maiores responsáveis por emissões de gases de efeito estufa, degradação do solo e perda de biodiversidade. Mas isso não significa que toda criação de gado seja prejudicial.

A pecuária regenerativa propõe o contrário: utilizar o gado como ferramenta de restauração do ecossistema. Com manejo rotativo, pastagens biodiversas e integração com florestas e culturas, é possível melhorar a qualidade do solo, aumentar a infiltração de água e capturar carbono da atmosfera.

Quando esse modelo se conecta com a cultura do churrasco, nasce algo novo: um churrasco sustentável, saboroso e com propósito.


1. Texas, EUA – Onde o tradicional encontra o regenerativo

O Texas é talvez o estado mais emblemático quando se fala em churrasco nos Estados Unidos. É a terra do brisket defumado por horas, das costelas suculentas e do molho picante. Mas também é onde estão surgindo algumas das iniciativas mais sérias de pecuária regenerativa do país.

Exemplo de destaque: Roam Ranch

Localizado em Fredericksburg, este rancho foi criado por um casal de ex-vegans que entenderam o poder regenerativo dos ruminantes. Com gado Red Angus e bisões criados a pasto, o Roam Ranch promove:

  • Pastoreio rotativo intensivo
  • Monitoramento da saúde do solo
  • Plantio direto de forragens nativas
  • Criação mista com porcos, galinhas e perus

Churrasco local regenerativo:

  • Corte principal: Brisket (peito bovino) 100% grass-fed
  • Modo de preparo: Defumação lenta com lenha local
  • Acompanhamentos: Picles caseiro, feijão com especiarias, pão de milho
  • Experiência: Muitos ranchos oferecem “churrasco na fazenda”, unindo sabor e educação ambiental.

2. Patagônia, Argentina – O asado em harmonia com a terra

A Argentina é famosa pelo seu asado — uma forma de preparo que respeita cortes inteiros, fogo baixo e paciência. Na Patagônia, o clima seco e os campos abertos favorecem a criação regenerativa.

Destaque: Cabaña Las Dinas

Com práticas de agroecologia e regeneração de pastagens nativas, essa fazenda cria gado Hereford com manejo holístico. O foco é preservar o solo frágil da região, enquanto se produz uma carne com sabor marcante e alto valor nutricional.

Churrasco local regenerativo:

  • Corte principal: Costillar (costela inteira assada na cruz)
  • Modo de preparo: Assado vertical, direto sobre brasas de lenha nativa
  • Acompanhamentos: Chimichurri, batatas assadas, saladas de hortas agroecológicas
  • Experiência: Turismo rural e jantares sob o céu estrelado da Patagônia

3. Alentejo, Portugal – Tradição ibérica com inovação ecológica

Em Portugal, o churrasco é menos central do que em outros países, mas o Alentejo está se tornando um polo de carnes regenerativas, especialmente com a criação de bovinos, porcos e cordeiros em sistemas silvo-pastoris.

Iniciativa de destaque: Montado Regenerativo

O sistema montado (combinando sobreiros, pastagens e criação animal) é perfeito para práticas regenerativas. Em vez de desmatar, os produtores cuidam da floresta, alimentam os animais com bolotas e promovem biodiversidade.

Churrasco local regenerativo:

  • Corte principal: Entremeada de porco preto ou costeletas de cordeiro
  • Modo de preparo: Grelhado em fogo direto com lenha de oliveira
  • Acompanhamentos: Pão alentejano, tomate com cebola, azeite extra-virgem local
  • Experiência: Degustações em adegas e fazendas históricas

4. Queensland, Austrália – Outback, bife e biodiversidade

A Austrália é um dos maiores exportadores de carne do mundo, mas também sofre com desertificação e escassez hídrica. Em resposta, surgem projetos regenerativos que transformam fazendas degradadas em oásis produtivos e biodiversos.

Projeto de referência: The Conscious Farmer

No interior de Queensland, essa fazenda familiar aplica técnicas como:

  • Pastoreio de impacto controlado
  • Sementes nativas para reverter áreas áridas
  • Restauração de zonas ripárias
  • Integração com aves e insetos polinizadores

Churrasco local regenerativo:

  • Corte principal: Ribeye ou picanha de gado grass-fed
  • Modo de preparo: Churrasqueira australiana (barbie), em chapa de ferro ou direto na grelha
  • Acompanhamentos: Abóbora assada, milho com manteiga de ervas, cerveja artesanal
  • Experiência: Eventos educativos e feiras locais com produtores regenerativos

5. Cerrado, Brasil – Do bioma ameaçado à mesa regenerada

O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro e um dos mais ricos em biodiversidade. Infelizmente, também é um dos mais desmatados pelo avanço da pecuária e agricultura convencional. Mas há resistência — e esperança.

Iniciativa inspiradora: Pecsa e o Grupo Roncador

Em Mato Grosso e Goiás, produtores vêm adotando práticas regenerativas com apoio técnico e monitoramento por satélite. As ações incluem:

  • Pastagens rotacionadas com sombra natural
  • Recuperação de nascentes e matas ciliares
  • Plantio de árvores entre piquetes (agrossilvipastoril)
  • Redução de emissões via sequestro de carbono no solo

Churrasco local regenerativo:

  • Corte principal: Fraldinha, contrafilé ou acém
  • Modo de preparo: Espeto tradicional ou grelha sobre fogo de lenha do Cerrado (licenciada)
  • Acompanhamentos: Farofa de pequi, mandioca cozida, vinagrete de caju
  • Experiência: Vivências em comunidades agroextrativistas, turismo de base regenerativa

Passo a passo para organizar seu próprio churrasco sustentável

Você não precisa estar no Texas ou no Cerrado para fazer um churrasco consciente. Com alguns passos simples, é possível transformar sua reunião de fim de semana em um ato de cuidado com o planeta.

Passo 1 – Escolha carne de origem regenerativa

Busque selos, rastreabilidade e converse com produtores locais. Prefira gado criado a pasto, sem grãos e com práticas agroecológicas.

Passo 2 – Use lenha certificada ou carvão sustentável

Evite carvão de origem duvidosa. Dê preferência à lenha de poda urbana, reflorestamento ou carvão ecológico.

Passo 3 – Valorize cortes menos nobres

Cortes como paleta, acém ou cupim têm alto sabor e menor impacto ambiental por aproveitarem mais do animal.

Passo 4 – Priorize acompanhamentos sazonais e orgânicos

Invista em legumes da estação, saladas frescas e farofas com ingredientes locais. O sabor agradece.

Passo 5 – Reduza o desperdício

Planeje a quantidade certa, armazene bem as sobras e reutilize o que for possível no dia seguinte.


Churrasco como ponte entre tradição e futuro

A verdadeira magia do churrasco está em sua capacidade de reunir pessoas. É celebração, rito, identidade. Mas isso não precisa — e nem deve — ser feito às custas da terra que nos alimenta.

As experiências do Texas, Patagônia, Alentejo, Outback e Cerrado mostram que é possível renovar tradições sem abandonar o sabor. Que é viável transformar um almoço em aprendizado. Que o fogo, quando guiado por consciência, pode aquecer o futuro — não queimá-lo.

Então da próxima vez que acender a brasa, pense no solo, no ciclo da água, nas mãos que criaram aquela carne. E brinde não apenas à vida… mas à vida regenerada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *