A pecuária, muitas vezes vista como vilã ambiental, está passando por uma revolução silenciosa em diferentes partes do mundo. Movimentos liderados por produtores, pesquisadores, ONGs e até grandes redes varejistas vêm provando que é possível criar animais e produzir carne de maneira a regenerar o solo, preservar a água, capturar carbono e promover biodiversidade.
Essa transformação não acontece da noite para o dia. Ela exige mudanças culturais, políticas públicas de incentivo, investimento em ciência e, principalmente, vontade de fazer diferente. Mas os resultados já começaram a aparecer — e inspirar.
Neste artigo, você vai conhecer os países que estão reduzindo o impacto ambiental da pecuária com o modelo regenerativo. Vamos entender as práticas adotadas, os desafios superados e os aprendizados que podem ser aplicados em outras partes do mundo, incluindo o Brasil.
O que é pecuária regenerativa e por que ela importa?
Antes de mergulhar nos exemplos internacionais, vale lembrar: a pecuária regenerativa não é apenas “menos poluente”. Ela é propositiva. Vai além da sustentabilidade ao buscar restaurar ecossistemas degradados por meio do manejo consciente dos animais e da terra.
Entre suas práticas mais comuns, estão:
- Pastoreio rotativo planejado
- Integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF)
- Cobertura permanente do solo
- Estímulo à biodiversidade de pastagens
- Redução de insumos externos, como fertilizantes sintéticos
- Uso de indicadores para mensurar saúde do solo e do carbono
Agora, vamos viajar por seis países onde a pecuária regenerativa já vem mostrando resultados concretos.
1. Estados Unidos – De rancheiros tradicionais a líderes em inovação
O país onde surgiu o conceito de manejo holístico tem investido fortemente em práticas regenerativas. Lideranças como Allan Savory, do Savory Institute, ajudaram a desenvolver uma metodologia de tomada de decisão baseada em ecologia, economia e valores sociais.
Destaques:
- Certificação Land to Market, que atesta produtos com base em resultados ecológicos reais
- Redes de fazendas-modelo, como White Oak Pastures (Geórgia) e Roam Ranch (Texas)
- Incentivos fiscais estaduais para projetos de sequestro de carbono no solo
Impactos alcançados:
- Aumento da matéria orgânica do solo em até 3% em 5 anos
- Sequestro de carbono superior ao das florestas tropicais em áreas manejadas
- Geração de empregos locais e reconexão entre produtores e consumidores
2. Austrália – Regeneração em larga escala no Outback
A Austrália enfrenta solos frágeis, chuvas escassas e longas distâncias logísticas. Ainda assim, o país tem sido referência na adoção de práticas regenerativas em larga escala.
Exemplos notáveis:
- The Mulloon Institute, que recupera paisagens inteiras usando linhas-chave, barragens e revegetação
- Fazendas como a Gundooee Organics, pioneira na produção de wagyu regenerativo
- Adoção crescente de práticas como cell grazing (pastoreio em células) e uso de indicadores de biodiversidade
Resultados:
- Recuperação de áreas desertificadas
- Retorno de espécies nativas de flora e fauna
- Melhoria da retenção de água no solo e redução de erosão
3. Uruguai – Pequeno em tamanho, gigante em rastreabilidade
O Uruguai é conhecido por sua carne de altíssima qualidade. Mas o que pouca gente sabe é que o país desenvolveu um dos sistemas mais avançados de rastreabilidade bovina do mundo, conectando práticas sustentáveis diretamente ao consumidor final.
Medidas implementadas:
- Rastreabilidade 100% obrigatória desde 2006
- Monitoramento ambiental por satélite
- Incentivos para práticas de pastoreio natural e preservação de campos nativos
Benefícios observados:
- Redução significativa de queimadas e desmatamento
- Aumento da confiança de mercados exigentes, como Europa e Japão
- Promoção de sistemas de pastagem biodiversos, com impacto positivo no solo
4. Quênia – Regeneração como ferramenta de justiça climática
Em um dos cenários mais desafiadores do mundo, produtores quenianos vêm utilizando práticas regenerativas para enfrentar a desertificação, a pobreza e os impactos das mudanças climáticas.
Destaques:
- Projetos liderados por comunidades Maasai, que utilizam o pastoreio móvel de forma regenerativa
- Parcerias com ONGs como a JustDiggIt, que promove a revegetação em áreas semiáridas
- Uso de tecnologia de baixo custo para manejo e monitoramento
Avanços significativos:
- Reversão de áreas desertificadas
- Reaparecimento de mananciais antes secos
- Aumento da produção de alimentos e melhoria na qualidade de vida das famílias
5. Holanda – Inovação intensiva e integração tecnológica
Apesar de seu pequeno território, a Holanda é gigante em tecnologia agropecuária. Nos últimos anos, o país vem testando modelos regenerativos híbridos, com integração de sistemas altamente tecnológicos e práticas agroecológicas.
Iniciativas em destaque:
- Fazendas como a Kipster, que integram produção de ovos, adubo orgânico e energia renovável
- Projetos de agroflorestas com pecuária leve, promovendo sequestro de carbono e sombreamento
- Testes com gado rotativo em campos inundáveis, protegendo áreas sensíveis
Resultados concretos:
- Redução drástica na pegada de carbono por produto
- Maior transparência e controle sobre origem da carne
- Replicabilidade dos modelos em outros países europeus
6. Brasil – O gigante que acorda para a regeneração
O Brasil ainda é conhecido internacionalmente pelo desmatamento vinculado à pecuária, mas há um movimento crescente que aposta na mudança de narrativa.
Exemplos promissores:
- Projeto Pecsa (MT): regeneração de pastagens degradadas com ganhos econômicos reais
- Grupo Roncador (GO): referência nacional em ILPF e rastreabilidade
- Sítios de pesquisa como o ICV e o Imaflora, que validam indicadores de saúde do solo e biodiversidade
Potencial transformador:
- 100 milhões de hectares de pastagens degradadas com capacidade de regeneração
- Redução de emissões sem perda de produtividade
- Exportação de carne de baixo impacto com rastreabilidade e transparência
Passo a passo: como os países estão mudando a pecuária
Apesar de cada realidade ser única, alguns passos se repetem nos países que avançaram com sucesso na pecuária regenerativa. São eles:
1. Engajamento do produtor rural
A mudança começa no chão da fazenda. Cursos, redes de apoio, troca de experiências e assistência técnica são fundamentais.
2. Políticas públicas e incentivos
Programas de crédito, compras públicas sustentáveis e isenções fiscais ajudam a viabilizar a transição.
3. Monitoramento e mensuração
Não basta dizer que é regenerativo — é preciso provar. Solos, biodiversidade e carbono devem ser mensurados com metodologia científica.
4. Comunicação com o consumidor
Rastreabilidade e transparência constroem confiança. Selos confiáveis e informação clara fazem toda a diferença.
5. Alianças multissetoriais
ONGs, empresas, universidades e governos precisam trabalhar juntos para acelerar o impacto positivo.
A mudança já começou — e ela é global
Seja nas pradarias do Texas, nos cerrados do Brasil ou nas savanas do Quênia, a mensagem é a mesma: regenerar é possível. E melhor ainda, é necessário.
O modelo regenerativo não é uma utopia distante. Ele está acontecendo agora, diante dos nossos olhos, guiado por gente comum que decidiu transformar o modo de produzir carne, cuidar da terra e alimentar o mundo.
A próxima revolução não será industrial, será regenerativa. E quando ela chegar à sua grelha, que seja com sabor, história e responsabilidade.